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Clik here to view.Ela é minha cara (Ronaldo Bastos e Celso Fonseca)
Causa reboliço aonde passa
desce mais redondo que a cachaça
Ela é a fulana de tal
o seu palácio vai do Leme ao Pontal
É a minha mais entre as dez mais
Ela é gente bem
Por isso mesmo não dá mole a ninguém
Mas um dia eu faço ela sambar
Ela é o colírio da moçada
Quando chega pára a batucada
Ela é o jazz
E há quem diga que parece um rapaz
Mas quem fala é louco pra encarar
Ela é minha cara
e nem me olha quando a gente se esbarra
Mas um dia eu faço ela sambar
Tira onda de grã-fina
Mas para mim é só a mina
que enfeitiçou meu coração
Vai que um dia pinta um clima
Ela vem parar na minha
e eu vou comer na sua mão
A composição acima vem fazendo bastante sucesso na contemporaneidade, sobretudo pela sua presença na novela “Insensato coração”, trama de Gilberto Braga exibida às 21h pela Rede Globo de televisão, emissora de grande prestígio junto a receptores de diversos gostos culturais. Por esse motivo, bem como pela predominância da variante linguística utilizada no contexto imediato dos alunos, optou-se por considerar a produção textual acima um rico manancial para o ensino de língua portuguesa.
O propósito do trabalho é o de analisar a letra da música, tendo em vista os processos de iconicidade “criados” pelo texto a partir das expressões selecionadas. Vale retomar, nesse sentido, o que PEIRCE propõe a respeito do ÍCONE: é um signo que vincula um significante a um significado com base numa analogia qualquer Observando a palavra CARA, ligando-a ao processo de coesão do texto, observamos seu funcionamento plurissignificativo:
cara - 1) supressão, por amálgama semântico, da expressão cara-metade, insinuando que ela representa a completude da alma do eu-lírico;
2) vocativo dirigido ao interlocutor, como se se quisesse reafirmar o objeto de posse;
3) gíria bastante usada, em tempos remotos, para se referir à fulana, por exemplo.
Essa instabilidade quanto ao sentido da palavra cria o efeito de uma dança, como a insinuar o perfil da mulher idealizado como padrão de valor na atualidade: o da mulher devotada às atividades ligadas ao corpo.
Além disso, outros usos parecem confirmar essa hipótese: “reboliço” – palavra de valor onomatopaico, por evocar o comportamento do objeto de desejo, portador que é de movimentos sinuosos “desce mais redondo que a cachaça”- sugestão referente ao corpo dessa mulher, considerando-o pela sua anatomia latina: a mulher dos quadris avantajados “o seu palácio vai do leme ao pontal” – a palavra palácio, assumindo um tom gírico_próprio da malemolência da composição_, como espécie de insinuação às nádegas femininas “é a minha mais entre as dez mais”- a expressão anuncia que ela é vitoriosa por ser portadora dos critérios meramente físicos, apontados até então como sendo o alvo do prestígio.
O raciocínio é sustentado pelas idéias a seguir:
“Ela é gente bem, por isso mesmo não dá mole a ninguém”- assumindo, em certo contexto histórico-cultural o sentido TER BELEZA, a qualificação É BEM, no texto, funciona como justificativa para que se assuma um comportamento de poder, de prestígio, ou seja, PODE-SE QUEM TEM O PADRÃO DE BELEZA ESPERADO, VIGENTE.
Como conclusão parcial, o fato é que a letra, ao mesmo tempo em que refaz o padrão de beleza do novo século, acaba por sugerir, no plano das relações interpessoais, certa exclusão relativamente aos “modelos” diferentes.
Sendo o curriculo escolar do novo milênio o espaço consagrado à aceitação da pluralidade, a intenção maior desse tipo de trabalho é levar à reflexão sobre o preconceito.