Nossa sociedade é extremamente engraçada. Falamos tanto em pós-modernidade, em vanguarda e, no entanto, modelos de comunicação historicamente marcados ainda nos assombram as mentes, num causar inveja a qualquer Allan Poe. E o que é pior: os mesmos que nos acusam de não usar a tecnologia, sob o argumento do “antenar-se com os novos tempos” são os mesmos que nos infundam o “anacrônico” pela goela.
Tomando por base o texto acima, observamos as seguintes características:
– o destinatário, expresso pelo vocativo SENHOR, é o que aparece, no plano organizacional do texto, espacializado no TOPO em relação ao solicitante (= entenda-se o suplicante), que está num plano inferior. Ademais, pode-se dizer que a “arquitetura” do texto remonta ao formato das igrejas góticas, cuja estrutura em pirâmide apontava para a supremacia de Deus relativamente aos homens.
– ao mesmo tempo, a maneira como se dirige ao senhor, bem como o uso das formas verbais e pronominais retoma um tom de subjugo, de por-se abaixo.
Quem não se lembra, a propósito, das cantigas de amor?
Composição poética galego-portuguesa, é um tipo de produção que se caracteriza pela confissão de amor de um cavaleiro por uma dama, a quem tratava por senhor (a forma em masculino se dava em função de as relações amorosas reproduzirem as relações sociais, em que os senhores feudais,que eram homens, faziam-se respeitar à maneira de Deus na terra). Por esse fato. colocava-se na condição do vassalo devotado (repare que a palavra VOTO é usada,no texto, como uma espécie de alusão a essa forma)ao seu dono(no caso, a mulher amada), a quem se deviam honras,respeito e humildade (“estima e consideração”)
O propósito não é o de desmoronar o texto, mesmo porque ele tem o direito à existência (ECO, Umberto. INTERPRETAÇÃO E SUPERINTERPRETAÇÃO); no entanto, há que se considerar as interpretações abusivas (a minha, por exemplo, não está nele!), em especial aquelas que, ao falar em jurisprudência, defendem sua leitura como sendo o próprio texto e… não admitem a transdisciplinariedade…
Um país sério é aquele em que a linguagem é constitutiva de todos os seres e saberes. Abaixo a guilhotina nossa de cada dia, abaixo a satanização da boa-fé!